quarta-feira, 24 de março de 2010

Lavando a roupa suja

Todas as (poucas) vezes em que eu fui à lavanderia para lavar minha roupa de cama e o resto, eu acabei me enganando e sofrendo por antecipação com a preguiça e o esforço da tarefa doméstica de levar a roupa para lavar. Nunca foi tão penoso assim.

Eu sempre escolho o programa de lavagem mais curto e trago e um livro, no qual eu nunca consigo me concentrar, porque fico olhando para as outras pessoas, por exemplo para esta senhora fumante que acabou de abrir um pacote de presunto e engolir uma fatia inteira como uma batatinha. Aparentemente ela também não consegue se concentrar na revista que está lendo, "L'euro et la crise", e sorriu para mim quando eu cheguei. Sentada na outra dupla de banquinhos vermelhos, está uma chinesa impaciente. Ela não trouxe um livro nem uma revista, e não escolheu o programa mais curto.

Eu já vi um soldado do exército lavando seu uniforme e umas meias sujas, uma senhora gorda ocupando duas máquinas de secagem por vários ciclos e jovens desocupados que não vieram para lavar a roupa. Quando decidiram sair, eles seguraram a porta para uma mulher alta, magra e loira que carregava um grande e pesado cesto de roupas. Depois do gesto automático de gentileza, o olhar deles percorreu de baixo a alto toda a extensão das pernas da moça, semi-cobertas por uma meia calça obscena que terminava justamente onde acabava a mini-saia dela, imediatamente depois da curva de seu derrière. O olhar ficou lá, mas o queixo caiu.

Tem gente que carrega a máquina e sai, depois vem buscar as roupas lavadas...

(Ah, as manchas de chá não saíram da minha toalha, nem o amarelo misterioso na gola do meu pijama).

Eu acabei de descobrir quem cuida da lavanderia, que é mais ou menos uma terra de ninguém, ou um lugar governado pela máquina de pagamento que ativa as máquinas de lavar e secar: é o homem que cuida das bombas de gasolina logo ao lado (vulgo "posto de gasolina"). Ele gritou de fora para o menino desocupado que resolveu entrar e sentar na mesa usada para dobrar as roupas. "Não pode sentar na mesa!"
O menino tem uns 14 anos, pose de malandro, cara de mau, gel no cabelo curto, jaqueta de couro e atitude de dominador do mundo.
"Ah, não pode? Por quê?"
O senhor explicou que as pernas da mesa não são firmes.
"Não está escrito em lugar nenhum", peitou o menino.

A juventude francesa é um grande desperdício, é uma grande massa de rebeldes sem causa, seja pelos protótipos dos cantores de hip hop da periferia, seja pelos burguesinhos de cabelo emo, mas isso fica para outro post.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Show me your smile

Há 2 semanas, eu saí correndo para imprimir uns arquivos na lan house do Árabe, um homem baixinho, magro e simpático, de origem oriental não identificada e que pensa que no Brasil se diz "buenos dias"*.

A Lan House do Árabe é um lugar pequeno, habitado por cabines telefônicas, computadores, uma máquina de xerox e uma impressora. A bancada onde fica o Árabe é decorada com cartões telefônicos de lugares longínquos, e notas de dinheiro de vários países.
Todo dia, das 09h00 às 01h00, ela abre suas portas para o mundo, e gente do mundo todo vai lá para fazer ligações internacionais, acessar a internet, xerocar, imprimir e sorrir para o Árabe: mulheres gordas com trajes africanos, senhoras muçulmanas de véu, adolescentes desocupados, velhas francesas que não sabem fazer cópias, homens de meia-idade com pen drives, meninas com maquiagem e cabelos esticados, árabes amigos do Árabe...

No sábado em que eu corri para imprimir as coisas na lan house, depois do Árabe tentar me explicar 4 vezes** que eu poderia usar o pen drive dele e um dos computadores dele para preencher novamente o PDF que não saía do meu computador com as alterações salvas (preenche de novo, ué), eu ouvi uma conversa (parte de uma, na verdade) (enquanto o Árabe pensava como essa menina brasileira é meio maluca...).

Dois computadores à minha direita, um homem careca usava um fone de ouvido e conversava pela internet num inglês cheio de sotaque (dizendo o "r" como em poRta, ou bRaço, por exemplo) com uma mulher. Conforme eu ia copiando tudo de novo para os espaços do PDF, entre as teclas trocadas do teclado francês e os farelos de croissant da mesa, eu ouvi:

"Então você acha que pode vir viver aqui em Paris comigo?"...

E eu comecei a dividir minha atenção com a conversa, que ele continuou com esta frase que não me convenceu:

"Nem me fale em crianças que eu começo a chorar... É tão bonito..."

Mas depois de alguns momentos que o PDF me fez perder, ele disse:

"Você é tão bonita. Me mostre seu sorriso... Oh, I love you."

Eu levantei para pegar as 10 páginas que imprimi errado e as que eu imprimi certo, e voltei ao computador 3 para guardar minhas coisas. A última coisa que eu ouvi foi:

"Então você acha que pode preparar sua vinda para Paris?"

E assim, atrasada, eu fui pagar o Árabe e pegar o metrô para encontrar a Laura, e deixei o careca apaixonado tentando trazer sua amada de algum país distante. Oh, love is so beautiful.

* Esforço válido.
**Eu não conseguia dizer que o arquivo não salva as alterações, por que não dá para imprimir direto do meu computador? Aqui tem internet...

sábado, 20 de março de 2010

A palavra da cidade

Outro dia eu estava lendo um best-seller no qual a autora dizia que cada cidade tem a sua palavra, uma palavra que ressoa, um eco. Eu acho que a palavra de Paris é "ORGULHO". Por baixo de cada pensamento das pessoas, tem a palavra "orgulho". Orgulho por baixo dos saltos altos e da maquiagem das meninas, dentro das pastas e dos bolsos dos executivos, embaixo dos bonés dos meninos da periferia, atrás dos óculos das senhoras do metrô, preso nos cabelos das crianças e saindo da caneta dos universários. O orgulho cresce nos parques, segura os prédios e faz compras no supermercado.

Talvez seja um orgulho que tenha vários motivos, diversas origens, jeitos de se mostrar e de se julgar, mas, de qualquer jeito, o eco que eu escuto agora em Paris é "orgulho".

sexta-feira, 12 de março de 2010

Estação Place d'Italie

As inúmeras passagens subterrâneas de Paris guardam abaixo da Place d'Italie, no 13˚ arrondissement, a estação Place d'Italie, da linha 6 do metrô, a verde-clara (e também a 5, laranja, e a 7, rosa).

A Place d'Italie é onde começa o Chinatown da cidade, que também é habitado por indianos, latino-americanos, africanos, japoneses, franceses, árabes... Mas sua atração mesmo é o que há embaixo, onde toda essa diversidade cultural se une.

A grande massa anônima que circula pelos corredores sem ventilação do metrô tem suas pequenas recompensas diárias. De manhã, alternam-se ao lado da máquina distribuidora de bebidas e porcarias de comer duas duplas de artistas - os peruanos com suas flautas típicas e o hit da colonização (música-tema do filme "1492"), e a mulher loira cantora, com seu ajudante de cabelo branco. Os peruanos exibem seu CD à venda, e a mulher loira cantora canta bem alto no microfone músicas francesas. Todos têm a caixa de som para aumentar a potência do seu show pelas paredes da Place d'Italie.

Existem também artistas nômades entre os vagões dos trens. Um deles, por exemplo, o que tem sotaque hispânico, canta com seu violão o imutável combo: "Stand by Me", "Cantare, ô, ô" e, para terminar e agradar os autóctones, "Champs Elisées". E tem também o semi-bêbado que fede e acha que sabe cantar, mas é desafinado e pensa que vai agradar os viajantes desse jeito... Ele, particularmente, me irrita, mas ganha gorgetas.

Ele podia se juntar aos bêbados que vivem na gare da linha 7. Cada um tem seu saco de dormir e sua garrafa de vinho. Eles estão sempre conversando, ou bebendo, ou fumando, ou jogando cartas, ou lendo. Porém, não se misturam com as armênias, que ficam sentadas sobre as escadas dos corredores, com a mão estendida e com plaquinhas de papelão pedindo misericórdia.
Se você tiver muita sorte, por volta das 15h00, pode encontrar o mendigo mais bonito que eu já vi na minha vida. Ele tem por volta de 27 anos, é limpo, possui uma mochila, e senta-se na escada em direção à linha 6 com uma placa: "J'ai faim". Fome do quê, homem?

A estação Place d'Italie também possui seus odores típicos. Com a má circulação do ar, e a pouca preocupação com a limpeza nesse país, o metrô exala um cheiro agridoce crônico, que mistura os produtos de limpeza com o cheiro dos mendigos e das pessoas e do trem que passa.

Um outro aspecto da estação é seu comércio ambulante. De novo, se você estiver no lugar certo e na hora certa, pode encontrar expostos sobre os tecidos dos indianos muitos filmes piratas e objetos como cintos, luvas, gorros, colares, carteiras, relógios, todos de marca. Ao lado de seus produtos, os indianos ficam de pé em duplas, observando as meninas que desfilam ecoando o barulho dos saltos e as adolescentes que passam rindo e atrapalhando o fluxo.

Eu passo também, desviando delas e tentando ser positiva e pensar que, por exemplo, melhor que a Place d'Italie na hora do rush, existe Chatêlet-les Halles...

Paris

Sabe aqueles guias de viagem fru-frus para impressionar brasileiros, que dizem o quanto Paris é uma cidade mágica e recomendam segredinhos imperdíveis da cidade e macarons e soirées e lojas e museus... Eles irritam. Então Madame B. decidiu fazer seu próprio guia.